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segunda-feira, 5 de agosto de 2013

A esperança de Dilma é a oposição

Com menos de um ano de governo efetivo pela frente (o período eleitoral não conta), a presidente ainda tem chance na disputa porque seus adversários não têm a necessária gana oposicionista
José Maria e Silva
Especial para o Jornal Opção
“Foram oito anos de Lula / na mais pura gambiarra. / Depois veio a Dona Dilma / para completar a farra: / brasileiros como formiga / e petistas como cigarra!”
Pedro Silva, cordelista paraibano
“A vida nunca foi fácil. Nunca foi.” Com essas palavras, Dilma Rous­­seff concluiu sua conversa com o médico Roberto Kalil Filho, no dia 17 de abril de 2009, numa sala contígua ao auditório da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais, em Belo Horizonte, onde acabara de proferir uma palestra para empresários. A então ministra-chefe da Casa Civil do governo Lula ouviu do médico dos políticos que a biópsia do nódulo que extraíra da axila, realizada por uma clínica de Houston, nos Estados U­nidos, comprovava a existência de um linfoma. Tratava-se de um tipo de câncer bem conhecido, com grande chance de cura, mas um câncer — o que não era nada bom para uma provável candidata a presidente da República.

Intimamente abalada pela notícia, mas mostrando firmeza, Dilma teve de sofrear furtivamente as lágrimas na entrevista coletiva que concedeu logo após a palestra na Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais. Quem conta o episódio, buscando revesti-lo com essa carga de emoção, é o jornalista mineiro Ricardo Batista Amaral no livro “Dilma: A Vida Quer é Coragem” (Editora Sex­tante, 2011), título tomado de em­préstimo ao romance “Grande Sertão: Veredas”, do escritor mineiro Guimarães Rosa. Repórter político em Brasília, tendo trabalhado para “Época”, “Valor Econômico” e Reuters, Ricardo Amaral foi assessor de Dilma Rousseff na Casa Civil, de novembro de 2009 a março de 2010, e também trabalhou em toda a sua campanha eleitoral. Segundo ele, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva nunca disse diretamente a Dilma que a queria como sucessora nem discutiu sua candidatura com o PT: “Foi simplesmente criando fatos, até que todos, inclusive Dilma, compreendessem que a decisão estava tomada”.

A vida da mulher Dilma Rous­seff pode não ter sido fácil, mas a trajetória da candidata a presidente foi quase um mar de rosas. Ungida por Lula, que estava no auge da popularidade, com as mãos labuzadas pelo óleo fictício do pré-sal, Dilma praticamente não precisou fazer campanha eleitoral de verdade — deixou-se embalar até as urnas como a “gerentona” determinada, rigorosamente técnica e detalhista, que fazia tremer as pernas de muito macho nas reuniões do governo. Essa imagem da futura presidente da República foi cuidadosamente preparada por Lula desde que a escolheu para substituir José Dirceu no comando da Casa Civil, em junho de 2005, no auge do escândalo do mensalão. E a grande imprensa, que não tem muita simpatia por José Serra, embarcou acriticamente nessa ficção.

Presidente na Meca do petismo
Da mesma forma que Fernando Henrique Cardoso ficou satisfeito em entregar o poder para um operário em 1º de janeiro de 2003, mesmo sabendo que o operário já se tornara há muito um político profissional, Lula ficou ainda mais satisfeito em eleger a primeira presidente mulher da história da República, ainda que, intimamente, soubesse, mais do que ninguém, que Dilma Rousseff não era nenhuma Golda Meyer, mas uma Amélia eleitoral, teúda e manteúda pelos votos de seu padrinho político. A exemplo de muitas outras mulheres que chegaram ao poder pioneiramente em países atrasados, Dilma é uma espécie de primeira-dama política, tanto que, na campanha de 2010, Lula repetia nos palanques que, votando em Dilma, o eleitor estava votando nele. É o discurso de muitos coronéis do interior que, quando não podem mais se candidatar, lançam a mulher como candidata e continuam governando de modo indireto.

Ao longo de seus dois anos e sete meses de governo, quase mil dias, Dilma Rousseff, nos momentos de crise, corre para São Bernardo do Campo, a Meca do petismo, para aconselhar-se com Lula. Certa feita, num encontro de ex-presidentes no Palácio do Planalto, ela aceitou ficar em segundo plano, deixando Lula no centro da foto oficial, como se ele ainda fosse o presidente da República. E quando desanda sua relação com o PMDB ou com o próprio PT, ela também recorre ao seu padrinho político, responsável não apenas por formar as alianças que permitiram sua reeleição, mas também por fazê-la candidata, à revelia do PT. É normal um governante aconselhar-se com um aliado mais experiente, o que não é comum é um presidente da República transformar esse tipo de diálogo numa explícita relação de subserviência, como se os conselhos ouvidos fossem ordens a serem cumpridas. A relação entre Dilma e Lula é quase como a de Maduro e Chávez.

Com o junho vandálico, diante do País em convulsão nas ruas, a presidente Dilma Rousseff deixou cair de vez a máscara de “gerentona”, construída por Lula com a ajuda da imprensa. De forma desastrosa, a presidente tentou apropriar-se das manifestações, achando que elas iriam prejudicar apenas o governo tucano de Geraldo Alckmin, uma vez que os líderes do Movimento Passe Livre, que iniciou os protestos, eram aliados de Fernando Haddad, quando ele ainda era candidato a prefeito. As declarações de apoio da presidente aos manifestantes acabaram contribuindo para atiçar o fogo das ruas, levando as manifestações muito além das fronteiras da capital paulista e atingindo o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (PMDB, e o próprio Planalto. Foi o que desesperou Dilma e a fez recorrer a Lula.

Fazendo do limão limonada
A presença de Lula no governo foi confessada pela própria presidente Dilma Rousseff em entrevista concedida à colunista Mônica Bergamo, da “Folha de S. Paulo” na sexta-feira, 28 de julho. Segundo a jornalista, o encontro começou tenso, com a presidente dizendo à assessora para desligar o ar-condicionado, pois estava com febre e faringite, com a voz rouca e o “estômago lascado”, devido à mistura de antibiótico, corticóide e Tylenol. Quando a entrevistadora abordou a queda de Dilma nas pesquisas e a volta do queremismo lulista, com os correligionários do ex-presidente defendendo sua candidatura em 2014, Dilma respondeu: “Querida, olha, vou te falar uma coisa: eu e o Lula somos indissociáveis. Então esse tipo de coisa, entre nós, não gruda, não cola. Agora, falar volta Lula e tal... Eu acho que o Lula não vai voltar porque ele não foi. Ele não saiu”.
 
Sobre essa fala, o jornalista Merval Pereira, do jornal “O Globo”, escreveu em sua coluna de 30 de julho: “Conversando com um e com outro, acabei abrindo uma janela na interpretação para aceitar a possibilidade de que o que considerava uma autêntica ‘barbeiragem’ da presidente pudesse ser na verdade audaciosa manobra: e se em vez de uma frase infeliz a presidente tivesse dado, isso sim, uma ‘trucada’ nos que querem vê-la substituída por Lula na campanha eleitoral de 2014? Ao explicitar a simbiose com o ex-presidente, Dilma esvazia a principal razão de uma eventual substituição sua por Lula. Ao dizer que Lula sempre esteve no governo, Dilma deixa nas entrelinhas a mensagem de que seus acertos e erros têm que ser divididos com o ex-presidente, o responsável final pela sua candidatura e, sobretudo, o parceiro do que tem sido feito no governo, o avalista de sua candidatura à reeleição”.

Como racionalização, a hipótese é engenhosa e deve ter passado pela cabeça da própria presidente e de seus aliados mais próximos, depois que ela já tinha assumido o papel de “criatura”, mero poste de Lula para iluminar o Brasil, imagem que ele utilizou para se referir aos seus candidatos de bolso de colete, como o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad. Mas Dilma já demonstrou que não tem traquejo para entrevistas e dificilmente seria capaz de um raciocínio político tão rápido diante da pergunta à queima-roupa. Isso fica claro pelo próprio vocativo de sua resposta: “Querida” — um cacoete que revela a irritação da presidente. É provável que Dilma tenha sido até espontânea, deixando transparecer a inevitável irritação interior de se saber incapaz de governar sozinha. Só depois é que seus assessores devem ter pensado em transformar o limão em limonada, explorando a outra face de sua simbiose com Lula.

Formigas brasileiras, cigarras petistas


Sem dúvida, o fracasso do go­verno Dilma pode significar o fracasso de Lula como gênio político. Normalmente, em casos assim, o criador consegue desvencilhar-se dos problemas de sua criatura, que servem até para realçar suas próprias qualidades. Por isso, todo cacique político tende a escolher auxiliares desconhecidos como sucessores, na esperança de não serem ofuscados. Com Lula e Dilma não seria muito diferente e um mau governo da criatura poderia reforçar a imagem do criador como gênio político e gestor capaz. Ocorre que Lula já enfrenta problemas que podem dificultar sua volta em 2014. O principal é o escândalo do mensalão, que tisnou sua imagem de Savonarola vermelho, tão cultivada quando o PT era oposicionista. E a esse problema se acresce sua saúde. Lula venceu o câncer, mas não convém brincar com a doença, lançando-se numa disputa presidencial pesadíssima com quase 70 anos, ainda por cima sabendo que o espera um governo difícil.
 
Como diz jocosamente o poeta paraibano Pedro Silva, no folheto de cordel “O Casamento de Lula e Dilma no Inferno”: “Foram oito anos de Lula / na mais pura gambiarra. / Depois veio a Dona Dilma / para completar a farra: / brasileiros como formiga / e petistas como cigarra!” Se vier a disputar em 2014, como sonham os petistas, Lula terá de responder também pelo governo Dilma. E como as pesquisas mostram, a popularidade da presidente desabou. Uma consequência direta de suas soluções destrambelhadas para a baderna das ruas, começando pela proposta do plebiscito, felizmente descartada por seus próprios aliados no Congresso. Na última pesquisa Ibope, encomendada pela Con­federação Nacional da Indústria (CNI) e realizada de 9 a 12 de julho, a avaliação do governo Dilma caiu de 55% de aprovação (ótimo e bom) para 31%, mesmo porcentual dos que consideram seu governo ruim ou péssimo. Já a confiança na pessoa da presidente despencou de 67% para 45%. Um dado curioso é que 46% dos entrevistados consideram o governo Dilma pior do que o de Lula, mas 42%, um índice altamente expressivo, consideram que são iguais. Isso indica que a popularidade de Lula também está sendo submetida a uma revisão pelo eleitor.

A queda de avaliação do governo já reverbera nas intenções de voto da presidente para 2014. Na pesquisa Datafolha realizada no final de junho e divulgada em primeiro de julho, Dilma perdeu 21 pontos na comparação com a pesquisa realizada em março e aparece com 30% das intenções de voto num cenário em que não aparece o ministro Joaquim Barbosa. E seus adversários cresceram, especialmente Marina Silva, que passou de 16% para 23%, seguida de Aécio Neves, com 17% (antes, 14%) e Eduardo Campos, com 7% (tinha 6%). Nos cenários em que Lula é o candidato do PT, ele abocanha 45% das intenções de voto, uma queda de 10 pontos em relação à pesquisa anterior, mesmo assim, com larga vantagem sobre os concorrentes: Marina Silva, com 14%; Joaquim Barbosa, com 13%; Aécio Neves, com 12% e Eduardo Campos, com 3%. Inexplicavelmente, o Datafolha não colocou o nome do tucano José Serra, como se o PSDB já tivesse feito convenção ou Serra desistido da disputa.

Lula e suas apostas de risco


A presidente Dilma Rousseff tem menos de um ano e cinco meses de governo pela frente ou, para ser mais exato, 514 dias. Se nos 946 dias anteriores (dois anos e sete meses) seu governo não mostrou a que veio, é pouco provável que vá deslanchar a partir de agora. Em ano de eleição, a parte administrativa de qualquer governo só caminha até o final do primeiro semestre. A partir daí tudo vira palanque. Isso significa que Dilma tem menos de um ano para se revelar a grande administradora que Lula chamava de “Mãe do PAC”. Caso contrário, terá que escolher entre render-se ao queremismo dos petistas e abrir caminho para uma candidatura de Lula ou ser uma candidata novamente carregada pelo seu padrinho político. O PT não parece ter outra saída, a não ser que Lula a invente apostando num terceiro nome, como está fazendo em São Paulo pela segunda vez, agora na disputa para o governo do Estado, em que decidiu lançar o ministro da Saúde, Alexandre Padilha.

Mais uma vez Lula optou pelo “poste”, o administrador sem votos, neófito em palanque, que atende à equivocada demanda das ruas por menos políticos profissionais. Essa estratégia de Lula em São Paulo, apesar de desgastada pela gestão até agora pífia de Fernando Haddad, pode dar certo. Não porque seja especialmente brilhante, mas porque os tucanos completam, em 2014, nada menos do que 20 anos de poder no Estado de São Paulo. Com os recorrentes protestos em São Paulo, a avaliação do governo Alckmin também caiu, de 52% para 38%, segundo o Datafolha, mas o tucano continua liderando com folga a pesquisa de intenção de voto, aparecendo com 40%, muito à frente de Paulo Skaf  (19%), Gilberto Kassab (6%) e Alexandre Padilha (3%).

Como se vê, Lula gosta de aposta arriscada. Ele parece acreditar que a panaceia do Programa Mais Médicos, lançado por Dilma Rousseff, pode catapultar a candidatura do ministro da Saúde em São Paulo. E tem alguma razão. Apesar da forma absolutamente desastrada com que Dilma lançou a proposta, a importação de médicos estrangeiros e a obrigatoriedade da prestação de serviço público por parte de médicos recém-formados podem render muito voto entre a população que depende do SUS — ao menos enquanto o programa não estiver integralmente implantado e puder ser vendido com a perfeição das promessas de campanha. A própria Dilma poderá se beneficiar eleitoralmente do programa se souber negociar com a categoria médica com menos arrogância. Essa estratégia deu certo com a ficção do pré-sal, sintetizada pela imagem de Lula labuzando as costas de Dilma com as mãos sujas de óleo.

Mas talvez a maior vantagem de Dilma continua sendo a inexistência de oposição. O Banco Rural — epicentro do mensalão — acaba de sofrer intervenção do Banco Central. Nas mãos de uma oposição competente, a medida causaria estragos no governo petista, respingando em Lula e Dilma. Tanto pelo uso indevido do banco por parte dos petistas quanto pela demora do Banco Central em intervir na instituição. Mas não será Aécio Neves a tocar no assunto, afinal ele tem receio do que os petistas chamam de “mensalão mineiro”. Já Marina Silva considera esse tipo de crítica indigno da imagem de pureza ética que ela tenta passar ao eleitor. Com isso, o quadro fica mais fácil para o PT, mesmo se Dilma, com todo o seu desgaste, for mesmo a candidata do partido.

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